Nana Caymmi, o timbre da paixão
Papai e mamãe, cantei para vocês.
Com muita saudade, sua filha.
Nana Caymmi
A carreira de Nana Caymmi traça uma forte educação sentimental – e uma evolução artística constante. Sua vida e sua discografia andam juntas, uma em complemento à outra. Não há como separar seu estilo intenso e emocional de cantar de seu estilo passional de viver a vida. A voz grave e extensa foi sempre o seu instrumento de navegação pelo mundo. Um exemplo é "Acalanto", canção que seu pai, o cantor e compositor Dorival Caymmi, compôs em homenagem a seu nascimento, no Rio de Janeiro. Dorival e a esposa, Stella Maris, também ela cantora, ninaram a pequena Dinahir ainda no berço. E foi esta canção que Nana escolheu para gravar pela primeira vez, em 1960, em um LP de seu pai. A música já era um clássico brasileiro, e Nana começava a carreira aos 19 anos, com a voz de contralto e o caminho iluminado pelos pais. A partir de então, foi só interpretar o amor, degrau a degrau da compreensão do mundo e da arte maior de cantar.
Por isso, o CD Nana Caymmi – Sem Poupar Coração é um trabalho marcante em vários sentidos. Trata-se do 29º álbum em 50 anos de trajetória dessa cantora com características únicas no cenário da música popular. É o seu segundo trabalho na gravadora Som Livre; o primeiro, Quem inventou o amor, de 2007, foi uma homenagem à obra de Caymmi, e como que encerrou um ciclo de reinterpretações. É também o primeiro trabalho que não contou com a supervisão de seus maiores mentores, os pais. "É muito difícil fazer um álbum que, pela primeira vez, não tem a opinião deles", diz Nana. "Isso fez muita falta." A ausência também trouxe uma lição: voltar, voltar ao seu estilo, sem banhar a interpretação com tristeza. "O disco não é uma homenagem, mas um presente a eles', diz Nana. 'A tristeza faz parte, mas o álbum fica no meio termo." Um meio termo que pode ser melancolia e alegria misturadas na receita sonora.
O novo disco representa a volta de Nana a seu elemento: a canção romântica feita sob medida para o seu jeito de interpretar. "Não fugi da minha praia', diz Nana. Em outras palavras: o CD traz uma seleção de grandes canções da safra recente de compositores da MPB, embaladas em arranjos sofisticados e elevadas pela abordagem intensa de Nana. São quatorze músicas, quase todas inéditas, com arranjos dos mestres Dori Caymmi e Cristóvão Bastos. É uma coleção de músicas que fazem uma pergunta que se repete na vida de Nana: A que vem o amor? Em que consiste o sentimento que quanto mais se quer mais escapa à definição racional? Talvez a única ferramenta de aproximação e compreensão seja mesmo a voz...
Nana carrega em cada faixa o grão levemente rouco de sua voz, o timbre da paixão. A nós, ouvintes, só resta ser abraçado pela extensão incalculável do sentimento que mora na voz de Nana. Passaram-se dois anos. E a gente já estava com saudades.
De canção em canção
"Sem poupar coração." A faixa-título é uma canção abolerada de Dori Caymmi com letra de Paulo Cesar Pinheiro. Os versos dão uma pista sobre o conceito do álbum: ''Eu quero amar demais/ sem poupar coração/ Que é pra mim o amor que apraz/ É uma louca paixão/ O amor só satisfaz além da razão".
Bolero mesmo é "Contradições", do pianista e maestro Cristóvão Bastos e do poeta e cronista Aldir Blanc. A partir do reconhecimento de que o destino "é se perder no amor de outro alguém'', Nana explora os registros graves e manobra as dinâmicas com o habitual talento.
"Caju em flor" (João Donato-Ronaldo Bastos) é uma daquelas todas repletas de referências brasileiras ("Iemanjá', "Belém", "manacá", ''Oxalá') e com a riqueza melódica e harmônica de João Donato. O canto doce de Nana é acompanhado por acordeon e piano.
"Senhorinha", da lavra de Guinga e Paulo Cesar Pinheiro, é uma das poucas regravações do disco. "Incluí essa música por uma questão afetiva, emocional', explica Nana. Era uma das preferidas de sua mãe, a cantora Stella Maris. A modinha contemporânea e cromática de Guinga recebe um tratamento especial, com a presença do piano e das cordas em um arranjo camerístico apropriado para a expressividade de Nana.
O samba-canção "Bons momentos" é o resultado da parceria entre Zé Luz Lopes e Marcio Proença, escrito especialmente para o tratamento emocional da cantora. Tarde da noite, o bar já vai fechar, o trombone sola em ralentando e só se há espaço para a falar de amor e resignação....
Outra parceria interessante acontece na canção lenta "Visão": Danilo Caymmi, irmão de Nana, se junta ao jovem compositor paulistano Manu Lafer para criar uma melodia e uma marcha harmônica que levam a um lugar inesperado. Ali, no espera a cantilena de Nana.
"Dúvida", de Márcio Ramos, corre em compasso de bolero sem lero lero. Na abordagem sutil de Nana, remete às melhores canções de Dolores Duran.
Uma valsa para voz e orquestra é o que fornece o clima peculiar de "Confissão", de Simone Guimarães e Antonio Carlos Bigonha. Nana surpreende com saltos de intervalo em contraste com o controle da expressão. Ela passeia pela tessitura ampla que vai dos graves aos agudos nesta melodia candidata a clássica.
Já bastaria dizer que "Fora de hora" é um samba-canção de Dori Caymmi e Chico Buarque. Parceria inspirada, melodia rica sobre um coração que pega a pensar em outro, num platonismo fora do tempo. Nana toca com suas cordas vocais a corda mais íntima e metafísica da questão amorosa.
"Pra quem ama demais'' traz à tona a poesia de Fátima Guedes, numa confissão amorosa. Apaixonar-se é queimar no fogo do sétimo inferno, é ilusão, é medo de abandono, adoecer, mas também é acompanhar a respiração de Nana, mestra no lirismo feminino. Ouvir essa gravação é como colar no peito da cantora e ouvir o coração a marcar um compasso sereno.
A faixa mais alegre do disco é "Diamante rubi", um maracatu em compasso composto (5/4) de Alice Caymmi. Flautas em refrão de intervalos de quartas. É Nana exaltando a felicidade da descoberta amorosa.
A bossa supernova não poderia faltar no disco. Ei-la em "Esmeraldas" (Fernando de Oliveira-Rosa Passos). É o canto da paixão desenfreada controlada e abafada pelo canto liso, quase sem vibratos, de Nana.
"Violão" é uma inesperada seresta em cadência de valsa, da dupla Sueli Costa e Paulo Cesar Pinheiro. Ela remete à música "A Voz do violão", de Francisco Alves. Tudo nela é clássico. Os versos ultralíricos contam a história de um artesão que, abraçando a madeira, esculpe um corpo ideal de mulher. É assim que nasce o violão... na elegia entoada entoada por Nana.
Para encerrar em clave ortodoxamente romântica, Nana nos dá de presente a canção "Não se esqueça de mim" (Roberto Carlos-Erasmo Carlos). O amor transcende quando o apaixonado quer estar apenas no pensamento do ser amado, com o único desejo de não ser esquecido. O dueto de Nana Caymmi e Erasmo Carlos traz de volta os grandes momentos da música romântica. Faz lembrar que está amanhecendo, e só nos resta tocar o disco mais uma vez, sem poupar o coração.
Luís Antônio Giron
Faixas:
1) SEM POUPAR CORAÇÃO (Dori Caymmi / Paulo Cesar Pinheiro)
2) CONTRADIÇÕES (Cristovão Bastos / Aldir Blanc)
3) CAJU EM FLOR (João Donato / Ronaldo Bastos)
4) SENHORINHA (Guinga / Paulo Cesar Pinheiro)
5) BONS MOMENTOS (Zé Luiz Lopes / Marcio Proença)
6) VISÃO (Danilo Caymmi / Manú Lafer)
7) DÚVIDA (Márcio Ramos)
8) CONFISSÃO (Simone Guimarães / Antonio Carlos Bigonha)
9) FORA DE HORA (Dori Caymmi / Chico Buarque)
10) PRA QUEM AMA DEMAIS (Fátima Guedes)
11) DIAMANTE RUBI (Alice Caymmi)
12) ESMERALDAS (Fernando de Oliveira / Rosa Passos)
13) VIOLÃO (Sueli Costa / Paulo Cesar Pinheiro)
14) NÃO SE ESQUEÇA DE MIM (Roberto Carlos / Erasmo Carlos) – Part. Esp. Erasmo Carlos
SERVIÇO:
NANA CAYMMI – SEM POUPAR CORAÇÃO - NO TEATRO RIACHUELO DIA 11 DE AGOSTO, QUINTA FEIRA ÀS 21H
Ponto de venda: a confirmar
Início das vendas: a confirmar
Plateia A e B: R$ 140 (inteira) R$ 70 (meia)
Camarote: R$ 140 (inteira) R$ 70 (meia)
Frisa: R$ 140 (inteira) R$ 70 (meia)
Balcão Nobre: R$ 120 (inteira) R$ 60 (meia)
Abertura das portas: 20h
Duração: 1h20min
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